Tenho esta para vos contar, mas vamos lá, não se riam muito porque para a próxima não vos conto mais nada.
Era o ano 1953, que foi nosso também, e porque os meus pais gostavam de ter um filho pároco, de quando em vez iam alimentando essa aspiração com umas frases interrogativas – não queres ir para padre? Talvez na boa fé de que se eu o viesse a ser os ajudaria a ir para o céu a toda a velocidade. Vá se lá saber!?
Obviamente que a palavra tem sempre uma tremenda força persuasiva, vou nessa e de enxoval às costas sou levado com os meus progenitores, pelo prior da freguesia no seu trendy VW carocha ao quartel dos Salesianos em Mogofores, bem pertinho da Anadia que ficam entre as cidades de Coimbra e Aveiro.
Como podem ver, e sem exageros, ali começou a minha primeira e pródiga vida de tropa.
De enxoval completo onde o número 222 o qual me foi atribuído, foi bordado em todas a peças do meu espólio. Claro, que neste mundo não passamos de números, já que o nosso nome, dado pelos nossos pais, com tanto amor e carinho, não valesse um chavo. Lá ingresso; pequerrucho, magricela, mas reguila nas fileiras dessa instituição religiosa!
Vestido à homem de fatinho preto, aceleradamente sou incumbido de aprender as regras inerentes à vida de seminário.
Fomos ensinados a forma correcta como nos deitarmos e levantarmos da cama com um mínimo de exposição das partes nuas do corpo, entre outras, sempre com um máximo de pudor e respeito etc., etc.
Horas certas com palmas para levantar, seguindo o tinir do badalo na campainha para todas as outras actividades do dia. Contudo, na hora da deita, como não havia clarim, eram as palmas habituais; como que a dizerem-nos - durmam meus meninos porque amanhã há mais…
Os meses foram-se passando e os afazeres rotineiros iam-se aprendendo, mas no que tocava aos livros de matérias escolares não era tanto assim, porque tudo o que não me despertasse interesse ia deixando para “amanhã”, só que esse amanhã não ia rompendo tão cedo. Ao que parece não nasci para aproveitar oportunidades que foram aparecendo ao longo da minha vida e esta foi a primeiríssima, com a agravante de ter dado um grande desgosto aos meus pais pela vocação que não morava em mim!
Como num quartel onde, a parada faz do local de treinos e recreios, recinto, como se chama num seminário, serve para actividades físicas, desporto e para brincadeiras apropriadas de seminario.
Sempre que o tal badalo, já bem pela tardinha trinava para sinalizar o término das aulas, corria-se escadas abaixo e continuava-se a toda a velocidade direitinhos aos postes eléctricos para que houvesse luz ao ligar-se o interruptor. Não foram poucas as vezes que muitos de nós ao fazê-lo não deixamos de apanhar umas desagradáveis descargas; obrigando-nos a escapulir um grito de susto, sendo porém, mal de pouca dura porque brincar era a ordem do momento!
Certa noite, como habitual, sou dos primeiros a correr tresloucadamente em direcção a um dos postes, com a missão de dar ao interruptor, bem junto aos meus calcanhares tenho um adversário aguerrido que ao notar que suplantei os seus intentos dá-me um empurrão, de zangado, claro, e ao encher-me de razões vou-o empurrando para debaixo duma latada adjacente ao recinto, com vários rapazes a seguirem-nos, envolvemo-nos numa luta do deita abaixo que, era o melhor que sabíamos. Obviamente que sai vencedor, uma vez que foi ele que foi ficando por debaixo até que outros colegas mais graúdos nos separaram. Sem mais zangas, ou troca de palavras feias, tudo ficou, como nada tivesse acontecido, e talvez, amigos para sempre. Todavia, na minha inocente consciência algo dizia que tinha pecado, então num rasgo de coragem, talvez, decidi no dia seguinte confessar-me de tão horrenda perversidade…!
Ora, para levar a cargo tão importante tarefa de confessionário, havia um velho padre, que ao fazer só isso, sabia obviamente de tudo e de todos quanto era pecado, uma vez ser ele o único padre incumbido de o fazer e, desta minha vez começou assim;
- Há quanto tempo não te confessas meu menino? Perguntou.
- Confessei-me ontem senhor padre. Dizendo-lhe o que realmente tinha feito no dia antecedente.
- Vai-te embora meu menino porque Deus já te perdoou.
- Mas senhor padre eu…
- Sim eu compreendo, Deus já te perdoou e eu também. Vai, vai, e, que Deus te abençoe.
Saio dali meio zangado por não compreender a razão de não me querer confessar, quando eram eles a dizer: confessai-vos uma vez por semana mesmo quando pensarem que não pecaram.
Algum tempo depois sou visitado pelos meus pais e tios, estava eu na secretaria com eles quando a minha mãe pergunta se não gostava de comprar alguma coisa como prenda ao que eu respondo que sim que gostaria de comprar uma caneta de tinta permanente como eram conhecidas.
Contudo para que o pudesse fazer teria que pedir licença ao padre gestor do seminário que por casualidade estava por perto, dirijo-mo a ele e humildemente pergunto-lhe:
- Senhor padre dá licença que compre uma caneta?
- Sim podes comprar, respondeu de imediato, o que os meus pais acabaram por fazer.
Até aí tudo bem, o problema foi que a partir daí, até mais tarde, já na vida adulta, ainda troçavam de mim com a célebre frase “Senhor Padre dá licença que compre uma caneta?” Pela simplória razão de eu tinha adquirido em poucos meses um sotaque trasmontano de tal maneira que se notava à légua!
No meio deste imbróglio todo, ainda fiz parte do grupo coral do seminário indo cantar a vários locais tais como: Fátima e aos Clérigos do Porto entre outros.
Como eram muitos os chamados mas poucos os escolhidos, como se dizia por lá, e eu pertencendo aos segundos, começou aí o dilema para os senhores priores porque, ao verem que a minha vocação era mínima, viram-se na obrigação de criarem um álibi, talvez para não chocarem tanto os meus pais.
Levaram-me a uma casa de saúde à Anadia e, aí, num arranjinho, talvez já na moda com o médico, onde me passou um atestado dizendo, que tinha uma mancha num pulmão.
Informam os meus pais, talvez por correio do que se estava passando comigo e, que me iam mandar de camioneta para Leiria, portanto que me fossem esperar na camionagem à hora combinada.
Ao chegar lá, vejo a minha mãe aflitíssima, leva-me de imediato ao Doutor Serafim, conhecidíssimo médico leiriense, conhecido como um médico sem papas na língua e duma grande frontalidade!
Na sala de espera, já depois de ter ido à máquina do Raios x, estava o que hoje não se usa - um escarrador – e, como eu tinha dado francês no seminário, perguntei à minha mãe se sabia como se chamava nessa língua, lógico que, respondeu que não, ao que eu respondi “le crachuá”. Passados uns minutos o médico volta e diz:
- Aqueles padres devem estar malucos porque o rapaz é esperto, sabe francês e os pulmões estão sãos como dois peros.
Como na gíria se diz; “ Há males que vêm por bem”, aqui, e, bem há minha maneira digo: “Há, mas é bens que vêm por mal”. Na cara da minha mãe certamente que isso estaria bem patente…
Mãe, que o Bom Deus te lá tem
Perdoa as nossas travessuras
Foste uma Senhora e Santa Mãe
Que sempre nos quiseste bem
Que no céu já não sofres amarguras.
5 comentários:
A vida é feita de variados caminhos, quem nos diz que não teria saído um grande padre? talvez hoje Bispo ou quiçá Cardeal?
A serio, tem que haver um grande estofo, para seguir essa vida, só assim se explica a falta de Padres que se faz sentir, e numa altura em que a vida não está fácil para empregos, mas aqui trata-se de Vocação, e essa não abunda num Mundo cada vez mais individualista.
Um abraço
Virgilio
Ó Virgilio, o homem teria era dado um bom pregador. Então não te apercebes das pregações que o santo Artur Prega!!!
Também eu quando acabei a Escola, o meu Pai tentou e arranjou a que eu fosse para Capuchinho, quando lá chegaram a recolher Informações.
Fala o Padre;- Então o Puto não vem à Igreja e só obrigado veio fazer a comunhão solene etc.etc. Como pode ir para Padre. Vermelho directo.
Conta mais à Gente.
Imagino o Artur Sousa fardado de padre!
É pá vocês são demais!
Então ele começou por pedir que não gozassem e é tudo pimba, pimba, pimba!
Ah grandes malandros que nunca mais vos conto nada!
E eu que estive por um fio, para ir para o Seminário de BEJA,para Beja porque o meu Professor Primário tinha lá um irmão que era Padre e como eu era amigo e colega do filho meteu na cabeça dos meus pais para me deixar ir com o filho, o filho foi e hoje é Professor Universitário, os meus pais como eu era filho único,não me deixaram ir assustando-me que se eu fosse teria que ser capado(castrado)claro que não disseram isso ao Professor, mas assim me convenceram a desistir, e só mais tarde quando o Padre da minha freguesia se meteu com uma moça nossa vizinha, é que me apercebi do argumento que me arranjaram, para a minha desistência!
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