Nota minha;
Eis aqui uma serie de e-mails que, com muita honra troquei com o bom amigo
Santos Oliveira, os quais, como se por ordem do destino, ou Deus que assim quis, nos viéssemos a encontrar para que assim se pudesse desvendar
o mistério que tem circundado a morte do meu irmão César na Guiné, ou talvez ainda, para que a paz de espírito possa perdurar no meu coração e, nos dos que me são
queridos (!?)
Olá, amigo Santos Oliveira;
Já lá vão uns tempos que a curiosidade me vai incentivando a perguntar-te se Artur José Ribeiro da Costa e Sousa te faz lembrar alguém?
Um abraço.
A. Costa e Sousa
*César Jorge Ribeiro da Costa e Sousa -Nat. Vidigal-Pousos-Leiria- Morto em
Combate, por fogo amigo, a 28Nov63
"Caro Amigo
Efectivamente o nome diz-me ser de Familiar do Camarada, Furriel Mil AP
César Jorge Ribeiro da Costa e Sousa, Muito provavelmente irmão.
Eu não compartilhei do companheirismo de Unidade. Não segui, para a Guiné, com eles.
Não estava destinado a ser Mobilizado por pretensamente pertencer á Reserva do Estado.
Também não o fui substituir. Essa missão coube ao Furriel Milº José Francisco Bárbora.
O que sempre ouvi do Pessoal do Pel de Morteiros 912, foi que o Furriel Sousa foi atingido de cima das Palmeiras.
Porém, como havia ido, muito depois, em Rendição individual para substituição do Furriel Milº António Ribeiro Contente, na Ilha do Cômo, acabei, por um escasso mês, por ficar no Território da Guiné.
Assim, fui incumbido pelo Comandante do BC1860, da defesa, nas Armas Pesadas, do Quartel de Tite e fui convidado a integrar, cumulativamente, o Gabinete de Operações.
Aí, deu-me a curiosidade para “ver” o Processo do César Sousa e descobri discrepâncias no resultado da sua Morte:
1) - Que o Tiro que atingiu o César havia entrado pelo ombro e saído pela zona renal;
2) – Havia um orifício de entrada de projétil na zona renal e a saída pelo ombro com esfacelamento do osso da clavícula.
Fiquei perplexo. A segunda versão está perfeitamente correcta por tudo o que se sabe acerca do aspecto de entradas e saídas de Projécteis.
Logo se conclui que o César Sousa foi Morto por um dos Militares que o precedia; mesmo que o acto tenha sido, seguramente, involuntário e na sequência de um início de uma Emboscada.
Isso, foi real.
Fogo Amigo, é a minha versão. Ainda ninguém conseguiu contrariá-la.
Eu não consegui “saber” muito mais do Pel de Morteiros 912 que o que descrevo. Há muitas vozes a dizerem que se escreva “isto” e “aquilo”, mas ninguém que assumir, por escrito, a responsabilidade de se fazer a História.
Na verdade, do que é (era) Oficial e público, eu escrevi. Não escrevo o que apenas ouvi e não participei.
Agora é a minha vez de questionar: qual é o traço de ligação entre Vós, Artur Leiria e Costa e Sousa?
Fico com curiosidade e algum alívio por encontrar um Artur José que não terá sido um Camarada da EPI-Mafra (de quem perdi o rasto) e um outro, aqui mais próximo com quem trabalhei (quando o fazia).
Abraços aos dois, do
Santos Oliveira"
Amigo Oliveira;
Sim, amigo, quanto ao nome, indica que somos mesmo irmãos. Ele, o César, o mais velho da casa, nascido em Dez. de 1941. Eu, o Artur/Leiria como sou conhecido nos fuzileiros, o segundo, nascido em Nov. de 1943 dum total de 4 rapazes e duas raparigas.
Lembro-me perfeitamente de que, o César quando foi inspeccionado, poderia ter ficado livre do serviço militar pela simples razão de que tinha os seus pés um pouco chatos, e que, ao mostrar tristeza, perguntaram-lhe o porquê de tal reacção, respondendo então que gostaria de prestar serviço militar e até seguir uma possível carreira militar. Obviamente que essa oportunidade foi-lhe dada. 'Levando-me esta acção a pensar que usualmente nos filmes os voluntários morrem sempre! Chamem-lhe destino ou o que quiserem, mas neste caso o 'mesmo', marcou-lhe mesmo, a hora.
Quanto ao meu caso pessoal, ingressei como voluntário na Marinha no ramo dos Fuzileiros aos 17 anos de idade, por isso antes dele. Também na mira de prosseguir carreira, só que, como, voluntario também, excepção a regra, fui bafejado com a boa sorte do meu regresso. Curiosamente, depois do meu regresso, companheiros de escola que nos conheciam, ao encontrarem-me ficavam estupefactos por terem pensado ou ouvido que eu é que tinha tombado, mas ao que parece, o 'destino' não quis assim.
Estando eu, no fim de Nov. de 63 de serviço no PBX do quartel dos fuzileiros/Estação Radionaval em Lourenço Marques, depois de um pequeno acidente no lago Niassa recebo uma carta dum colega de escola que, muito naturalmente, depois da introdução de praxe de sempre, diz: "lamento a morte do teu irmão César", pensando, talvez que eu já o soubesse, penso. Poderás pensar aqui, a reacção que se tem e, o sentir que nos avassala o coração quando se perde um ente-querido; pois foi isso que intensamente me assolou: - simplesmente indescritível!
Fui recebedor duma carta do Capelão de Tite que, além das palavras de encorajamento e conforto, descrevia que o meu irmão tinha sido atingido por fogo inimigo (e não amigo como me fazes entender), numa emboscado a pouca distancia do quartel entrando-lhe o projéctil no lado direito das costas junto ao ombro cortando-lhe a artéria aorta, saindo pela frente causando uma abertura extensa na área. O que me parece ser realístico porque ao recebermos alguns artigos da sua farda, no 'camuflado' os indícios confirmavam essa descrição, quanto ao ferido no pé possivelmente não passou de acidente também. (?)
Dizia ainda que O César falou de sua mãe, o que é habitual em momentos derradeiros, e que foi transportado ainda com vida para o quartel mas que sucumbiu ao chegar. (?)
Por essa altura foram oferecidas umas quantas viagens à metrópole para oficiais sargentos e praças da nossa Companhia, conseguindo eu, uma pelo período de um mês; lógico que a família e até a aldeia estavam em estado de choque.
Os tempos vão decorrendo, os quais, logicamente, vão afectando a minha mãe mais do que ninguém, ao ponto de jamais descansar enquanto o corpo não fosse transladado, custasse o que custasse, para a sua terra natal: Vidigal, Pousos, Concelho de Leiria.
Por volta de 1974, o meu filho de 6 ou 7 anos, nascido no Canadá de nome: César Jorge Gaspar da Costa e Sousa, nome dado em honra ao meu irmão César, teve uma série de sonhos seguidos, onde, descrevia um funeral no qual via a avó e outros membros de família a caminharem atrás de uma pequena urna branca, sem ter visto funeral algum antes.
Pouco tempo depois desenrola-se este acontecimento; o funeral da ossada do meu irmão, ao qual por motivos de força maior não me foi possível presenciar.
Lá está hoje sepultado se é que são verdadeiramente os seus ossos e não de outrem (?).
Todavia, admira-me o porquê de uma campa de alto-relevo sobre a sepultura do César na Guiné, quando as de outros soldados e marinheiros noutras Províncias eram do mais humilde que se poderia constatar e, muitas, infelizmente, em estado degradante.
Com um grande abraço agradeço a tua maravilhosa colaboração… Obrigado.
A. J. R. da Costa e Sousa
(PS: Nos meus blogues irei inserir, logo possa, fotos do César e da sua campa na Guiné.)
"Artur, Amigo
Não era (é) minha pretensão perturbar os vivos ou os mortos.
Move-me apenas a recolha da verdade que, ainda, me perturba.
Mais uma vez te peço desculpas por não haver percebido, (embora me espantasse vir assinado pelo nome A. Costa e Sousa. Estupidamente não te associei. Para mim eras Leiria. Depois o martelo ia batendo e fez-se luz. Disso te dei notícia com o meu pedido de desculpas que não me cansarei de renovar. Devo-te (vos) isso.
Mas, o que contam nem sempre é ou corresponde á verdade.
Por pormenor, o que vos foi dito acerca de ser, ou não ser, fogo amigo (como eu digo) e a correspondência, ou não com o fardamento, para mim ainda é marcante, já que durante uns meses eu estava convencido ter sido eu o substituto do César Sousa; portanto, algo martelava cá dentro e marcou muito. Só depois soube do Furriel António Contente…
Ao confrontar as indicações do relatório Militar e do Relatório da Autópsia é que cheguei aquela conclusão. Por outro lado, o , na altura, Comandante de Pelotão, Alferes Silva Pereira (regressado pouco depois á Metrópole, por Tuberculose), em contacto telefónico há uns dois anos, confirmava a minha tese, mantendo-se o Ataque como é referido em todos os escritos.
Ele disse que logo que começou o tiroteio, de imediato o César tombou. Ele estava um tanto distante, mas o suficiente para perceber que havia sido atingido na posição de marcha em Patrulha, seja, ligeiramente curvado (como todos).
Verificou o que havia a verificar e tomou as providências para a sua recolha. Afirmou, ainda, não ter tido nenhuma intervenção, nem nada lhe foi perguntado, quanto á elaboração do Relatório.
Os vestígios no fardamento (camuflado) podem não confirmar o que se descreve. Isso, entendes.
Mais disse ter ficado tão abalado que não teve coragem, no dia seguinte, para o ir ver o César, na enfermaria do Quartel de Tite (se assim se podia chamar ao local - que eu conheci).
Também não sabia quem escreveu a Nota a informar a Morte do teu Irmão.
Dizes ter sido o Capelão (Padre Fernando Bento de Miranda). É mais que provável. Com ele, eu não contactei sobre este assunto.
Sobre o Caixão. Saiu selado, desde Tite.
Desconhecia a sua sepultura, primeira, no Cemitério de Bissau. Sabia, sim, haver um subterrâneo onde as Urnas destinadas a serem enviadas para a Metrópole, eram depositadas até á data de Embarque, mais ou menos colectivo. Ao tempo, ainda ficava lá sepultada a maioria dos Mortos em Combate ou em acidentes, porque só quem tinha meios era transladado para Portugal. Mais tarde isso foi, de certo modo, alterado.
Portanto se houvessem dúvidas seria uma troca, extremamente improvável devido á placa aposta na Urna, no Cemitério de Bissau.
Eu acredito na premonição do teu Filho; parece haver imensos casos desses e sempre nas pessoas mais transparentes e inocentes. Quero dizer que a sabedoria ou vida muito vivida quebra esse elo espiritual.
Tiveste um gesto de muito Amor pelo teu Irmão e Homenageaste-o do melhor modo de preservação da Memória: o nome.
Bem hajas, Amigo
Abraço Cordial, do
Santos Oliveira"
Embaixo, fotos do meu irmão César
com colegas de escola e a de sua campa na Guiné.
Amigo Oliveira;
Como te expressei, era desejo meu enviar-te algumas fotos do meu irmão César o que infelizmente deixam muito a desejar, primeiro; porque não tenho muitas, e as mesmas de pobre qualidade, segundo; porque não sou barra nos arranjos delas com os programas do computador.
Para te descrever o meu irmão é aquele no meio da foto dos três (por volta de 1962) e o último da direita aquando numa corrida de corta-mato com colegas da Escola Industrial e Comercial de Leiria por aí em 1960.
Quanto à campa como poderás apreciar, ainda na Guiné-Bissau, penso ser, como disse antes, mais do que as humildes campas de outros colegas que tombaram no ultramar!
Levando-me isto a imaginar que, por ordem do comando e governo, como descarga de consciência, talvez, por ter tombado com fogo amigo, atribuíram-lhe funeral e campa de privilegiado, que dizes a isto amigo Oliveira?
É intenção minha colocar no meu blogue a nossa troca de e-mails, para a apreciação dos colegas, se a ti, claro, não importar.
Pelo que me apercebi és natural de Vila Nova de Gaia, o que não importa aqui, quando, sendo tu português e dos nossos, é o que mais conta.
Agradeço-te imensamente pela oportunidade de me mostrares e ao mundo, que por intermédio da convenientíssima Net, o enigma que muitos anos me obcecou a mente e as dos restantes membros de família foi, de certa forma inesperada, desvendada para sempre…!
Muito reconhecidamente o amigo em armas:
Artur/Leiria