domingo, 18 de abril de 2010

Na íntegra

Nota: Não lhe pedi licença, mas penso que não vou ser condenado por isso. Admiro este octogenário, homem de quatro costados, que lhe corre nas veias sangue dum verdadeiro português! Digno, pela minha parte, de admiração pela forma firme e resoluta como expressa a malvadez e a forma como os políticos vão regendo a pátria, com uma história tão heróica como a nossa! Amigo José se ao acaso vier a ler estas minhas palavras, desejo-lhe a continuação da invejável vida longa e bela de que vai usufruindo e que, Graças ao Criador, com saúde penso, o continue a agraciar!
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"Agora que cheguei aos 80, gostaria de ser como o Vinho do Porto: «Quanto mais velho, melhor...». E não sei se alguma vez lá chegarei."

É curioso que os muitos factos que passaram pela minha vida, desde a guerra de Espanha 1928/1936, a Segunda Grande Guerra 1939/1945, e já em idade maior, as guerras que suportamos no Ultramar ex-português, de que fui testemunha e em muitos casos de participação para cá das barricadas, (uma guerra também pode ser vivida na rectaguarda), como aliás a todos aqueles que a viveram e permaneciam atentos ao que se passava na frente de combate, me deram uma forte vontade de viver e de encarar a vida numa outra perspectiva. Vivi embora muito novo. Três guerras; em que não sendo combatente em nenhuma delas, felizmente, não o poderia ser com apenas 5 e 12 anos de idade, mas no Ultramar, então com trinta e poucos, por mercê dos cargos que então desempenhava; tinha muitas vezes que sofrer as contingências por passar tão perto dos locais em que ela se desenvolvia; no Norte de Moçambique. E às vezes eram bem duras as provas porque passei e não sendo herói tinha que desempenhar o cargo, embora receoso pelas consequências que poderiam ter fim trágico, como a tantos aconteceu, ali bem perto de mim.. Claro que isso são histórias do passado, que nos tempos que correm pouco interesse tem para quem nunca passou por estas situações. Mas não poderemos esquecer o que fomos e o que somos, pelo menos para contar aos nossos netos, o que era a vida noutros tempos... E embora a vida para cá da rectaguarda se passasse como se nada estivesse a acontecer, lá longe, no Norte, no mato, a vida em Lourenço Marques, era plenamente vivida e nós que de licença ou em serviço nos deslocávamos à Capital, ficávamos boquiabertos pelo desinteresse, pelo "doce farniente" em que se vivia, não se interessando muita gente, pelo que se passava lá longe, convencida de que nada era com eles, nada os poderia abalar, na convicção de que tudo decorreria de vento em popa, sem custos humanos, sem custos financeiros, e que quem lá estivesse que se aguentasse... Amigos com quem eu conversava, ficavam admirados, com os nossos receios e com as nossas dúvidas, menos é claro os que estavam atentos que esses, embora poucos, sabiam o perigo em que todos nos encontrávamos.
Mas voltando aos 80 a que por vontade de Deus cheguei, muitas vezes numa retrospectiva interior, me pergunto: Mas afinal qual a razão porque Deus me permite ainda estar aqui? E nessa perspectiva a minha consciência, o meu Eu segreda-me que tendo seguido quase sempre os conselhos de meus pais, respeitando os seres viventes, constituindo família, como eles o fizeram perante Deus e perante a Igreja, não tendo nunca deixado de contribuir com o meu pouco saber para cumprir com as minhas obrigações para com o meu país e para a sociedade de que faço parte, com seriedade, honestidade e disciplina, para não falar de outros factores que são comuns á maioria das pessoas que acertam o seu Eu com a Honra e a Dignidade de que a sociedade tanto necessita, fazendo amigos que são ou foram exemplos para nós, e muito especialmente criando as filhas, na convicção de que o futuro sendo delas teria que ser conquistado nas várias facetas da vida, com o estudo, trabalho, sacrifício e essa dignidade que já vinha dos nossos ancestrais. E isso contribuiu para, tanto como nós, terem granjeado a estima dos seus amigos, professores, dirigentes e colaboradores, o que muito nos sensibiliza, a mim e à minha velha companheira de há mais de 57 anos. Cremos, tanto um como o outro, que para além das vicissitudes que temos sofrido ao longo desta caminhada, que cumprimos. Conseguimos levar a nossa carta a Garcia e se nem tudo neste mundo conturbado foram rosas, também não nos podemos queixar, mesmo e apesar de expatriados da terra que tanto amamos. É que tendo vivido, como vivemos, no paraíso, cremos que se Deus nos não aceitar no Seu, já o vivemos. Creio que nós, os que viveram todos estes acontecimentos de tão funestas consequências para o mundo e para o nosso País, se não tivéssemos vivido com aquela confiança e perseverança com bondade e profundidade a nossa vida, perante nós e perante os outros, não poderíamos agora que chegámos aos 80 olhar para traz e afirmar que a vida apesar de tudo, valeu a pena e dizer tal como G.Bernanos dizia: «O teu dia-a-dia está cheio de pequenas e grandes contrariedades; procura superá-las com inteligência, vontade e perseverança». Foi isso o que quisemos fazer e assim também afirmar tal como David Hume que «A beleza das coisas vive na alma de quem as reconhece». É isso, mesmo como diria André Gide «Há uma lei na vida: quando uma porta se nos fecha outra nos é aberta», mas não só: «Não é aos saltos que se sobe uma montanha, mas a passos lentos» como afirma S.Gregório Magno. E foi vagarosamente, mas com passos firmes que conseguimos isso mesmo: Ultrapassar os caminhos que levam à íngreme montanha que é a Vida.
José de Viseu

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