terça-feira, 19 de julho de 2011

Omens sem H


Espantam-se? Não se espantem. Lá chegaremos. No Brasil, pelo menos, já se escreve "umidade". Para facilitar? Não parece. A Bahia, felizmente, mantém orgulhosa o seu H (sem o qual seria uma baía qualquer), Itamar Assumpção ainda não perdeu o P e até Adriana Calcanhotto duplicou o T do nome porque fica bonito e porque sim. Isto de tirar e pôr letras não é bem como fazer lego, embora pareça. Há uma poética na grafia que pode estragar-se com demasiadas lavagens a seco. Por exemplo: no Brasil há dois diários que ostentam no título esta antiguidade: Jornal do Commercio. Com duplo M, como o genial Drummond. Datam ambos dos anos 1820 e não actualizaram o nome até hoje. Comércio vem do latim commercium e na primeira vaga simplificadora perdeu, como se sabe, um M. Nivelando por baixo, temendo talvez que o povo ignaro não conseguisse nunca escrever como a minoria culta, a língua portuguesa foi perdendo parte das suas raízes latinas. Outras línguas, obviamente atrasadas, viraram a cara à modernização. É por isso que, hoje em dia, idiomas tão medievais quanto o inglês ou o francês consagram pharmacy e pharmacie (do grego pharmakeia e do latim pharmacïa) em lugar de farmácia; ou commerce em vez de comércio. O português tem andado, assim, satisfeito, a "limpar" acentos e consoantes espúrias. Até à lavagem de 1990, a mais recente, que permite até ao mais analfabeto dos analfabetos escrever sem nenhum medo de errar. Até porque, felicidade suprema, pode errar que ninguém nota. "É positivo para as crianças", diz o iluminado Bechara, uma das inteligências que empunha, feliz, o facho do Acordo Ortográfico. É verdade, as crianças, como ninguém se lembrou delas? O que passarão as pobres crianças inglesas, francesas, holandesas, alemãs, italianas, espanholas, em países onde há tantas consoantes duplas, tremas e hífens? A escrever summer, bibliographie, tappezzería, damnificar, mitteleuropäischen? Já viram o que é ter de escrever Abschnitt für sonnenschirme nas praias em vez de "zona de chapéus de sol"? Por isso é que nesses países com línguas tão complicadas (já para não falar na China, no Japão ou nas Arábias, valha-nos Deus) as crianças sofrem tanto para escrever nas línguas maternas. Portugal, lavador-mor de grafias antigas, dá agora primazia à fonética, pois, disse-o um dia outra das inteligências pró-Acordo, "a oralidade precede a escrita". Se é assim, tirem o H a homem ou a humanidade que não faz falta nenhuma. E escrevam Oliúde quando falarem de cinema. A etimologia foi uma invenção de loucos, tornemo-nos compulsivamente fonéticos. Mas há mais: sabem que acabou o café-da-manhã? Agora é café da manhã. Pois é, as palavras compostas por justaposição (com hífens) são outro estorvo. Por isso os "acordistas" advogam cor de rosa (sem hífens) em vez de cor-de-rosa. Mas não pensaram, ó míseros, que há rosas de várias cores? Vermelhas? Amarelas? Brancas? Até cu-de-judas deixou, para eles, de ser lugar remoto para ser o cu do próprio Judas, com caixa alta, assim mesmo. Só omens sem H podem ter inventado isto, é garantido.
Por Nuno Pacheco
Jornalista

8 comentários:

Anónimo disse...

Há aqui qualquer coisa no desacordo ortográfico que não entendo, então não estamos a falar da língua Portuguesa» o que as nossas ex-Colónias falam é Português e não Brasileiro ou Angolano só para falar destes dois Países, então se é Português porque razão vamos alterar o Português e não o Brasileiro, Moçambicano ou Timorense?
Por mim vou escrever como sempre, e se não me perceberem! paciência, eu repito.
Uma braço
Virgílio

edumanes disse...

Pois é amigos sa coisas mudam. Antigamente, nas forças armadas mandavam os generais. Hoje não mandam mais.
Portanto, com os países, que aprenderam a falar o português com Portagal. Hoje, ensinam a mãe a mamentar os filhos.
Ainda, quero ver quando eles tirarem o C ao cu, como é que ele irá ficar. Penso que ficará numa desgraça, lamentável?

Um abraço
Eduardo.

Anónimo disse...

Sem dúvida que Portugal é o lavador-mór de grafias antigas... Aqui há uns anos comprei a Peregrinação do Fernão Mendes Pinto "e fiquei tótó!"... O livro estava escrito em português antigo.
Valdemar Alves

António Querido disse...

Isto não facilita ninguém, baralha a cabeça dos miúdos, dos mais crescidos e até dos Professores!
É por isso que já estou a aprender chinês, serão eles os empregadores do futuro!

Piko disse...

Já não é a primeira vez que este tema do português vem ao de cima... Por este andar as alteracções - que nem os mais eruditos na matéria aceitam como razoável - nunca mais irão parar... Não nos parece aceitável, que por causa do bom momento que o Brasil atravessa no plano das nações, seja uma razão válida para fazer tais cedências... De resto, quer-nos parecer que o mal foi começar a ceder para que as cedências não parem mais...
Só que há um dado adquirido:- Os brasileiros já há muito que vêm "fazendo" a sua própria língua depois que assimilaram a nossa como matriz... Nem é caso para gritar "aqui del'rei", porque a nossa língua também derivou de outras e não só do latim e criou um espaço próprio e que muito nos orgulha... No tempo das descobertas havia uma grande semelhança com o castelhano (século XVI) e apesar de sermos vizinhos podemos ver as profundas diferenças a partir do século XIX e que continuaram no século XX! Ora, se o Brasil vier a seguir o seu rumo linguístico só temos que aceitar e continuar a ser bons amigos... Isto quer dizer que com Angola, Moçambique, Guiné e outros estados poderá acontecer coisa semelhante no futuro, porque não há garantias de que tenham assimilado a nossa língua para todo o sempre!
Enfim, irei continuar a escrever sem essas cedências, que considero sem sentido e até vergonhosas, porque deixam transparecer uma certa sub-serviência, diria mesmo, um certo bajulamento para com o Brasil... A continuar no actual ritmo, vê-se claramente, que Angola poderá ser o próximo país a quem iremos propôr umas mudanças de ocasião só para agradar!
SINAL DOS TEMPOS!

Anónimo disse...

Interessante o comentário do Piko... Na verdade são inúmeras as palavras que utilizamos de origem asiática, entre elas CHÁ, mas também temos uma herança judia de se lhe tirar o chapéu, que é o caso dos dias da semana, no entanto a Santa Igreja retirou a Primeira-Feira para pôr os "novos-cristãos" a caminho da Missa... Em contrapartida também deixámos um vasto reportório de português por esse mundo fora... Há uns anos atráz um antropologista (aqui da zona) descobriu palavras em português num dialecto de aborígenes em Darwin, não havendo nenhum país do sudeste asiático que não as tenha inseridas nas suas línguas oficiais, até mesmo nas Filipinas o nosso FÓSFORO faz parte do Tagalog infiltrando-se (sabe-se lá como) em terreno espanhol... Como tal, que díria agora o Camões (?!) se soubesse que passámos de colonizadores linguísticos a colonizados.
Valdemar Alves

Anónimo disse...

That's it!... O Artur Sousa foi a Portugal encher "o Paiol" de portuguese vitamins.
Valdemar Alves

Tintinaine disse...

Não foi não! Mas não sei por onde andará, pois se divorciou disto tudo e sem remorsos.