quinta-feira, 19 de maio de 2011

Crónica no tempo…

Era uso e costume no nosso Portugal do passado século, como festa do pobre, a morte do bácoro. Era pois a alegria da dona de casa, e muito em especial, da garotada.
- Artur levanta-te que o homem do porco já chegou; estão aqui uns sapatos e roupa velha para o ires ajudar.
Era mais uma vez a minha mãe entre muitas passagens destas, quando ia a Portugal de visita ido do Canadá, a dizer-mo lá pelas cinco da manhã.
- Mãe; é sempre a mesma coisa: cansado da viagem, mal dormido e você a pregar-me com esta logo pela manhã. Era eu a resmungar uma vez mais, das muitas que aconteceram, porque não gostava nada de tal tarefa.
- Anda, anda lá, que já sabes o uso e costume da casa, e a visita dum filho não é para menos.
Bem verdade porque, se ao acaso o porquito não estivesse ainda a jeito de matar, ia assim mesmo e se não houvesse um comprava-o mas sem ele é que não podia ser.
Levantava-me casmurro, resmungão, mas lá ia: que remédio doutra forma passaria a ser mal agradecido aos olhos dela e da restante família, uma vez que isto acontecia há minha revelia.
Entre muitos homens do lugar que tive oportunidade de ajudar, incluindo o meu avô Ribeiro, que foi um mestre de primeira, alguns mais tarde gostavam da minha ajuda porque as notícias do Canadá, como conversa de curiosidades, eram de certa forma agradáveis para as suas perspicácias.
A rotina duma maneira geral era agarrar o bicharoco, rasteirá-lo, e logo ao se encontrar de patas para o ar era o golpe derradeiro entre as mãos que num "haver se te avias" era um grunhir de pouca dura.
A partir daí seguia-se o processo usual da chamuscagem, da raspagem, e, por fim o dependurar, para o abrir e sangrar até ao dia seguinte, quando o desmanchar e o condicionar da carne na salgadeira, na altura, era de uma extrema importância, mais tarde, claro, entraram em função as arcas congeladoras...
Porém, nas últimas vezes que me calhou tal sorte, tínhamos o senhor José empregado do matadouro de Leiria, oriundo de uma terra vizinha que, usava uma ‘motoreta’ para a deslocação domiciliária e o acarreto dos apetrechos inerentes à faina da matança.
Homem bonacheirão, cheio de vida e boa disposição, que também não desgostava da minha companhia, e eu, devido ao seu profissionalismo e modo de ser e estar, sentia-me em casa com este executador proficiente!
Curiosamente, como que a vincular a esta minha afirmação sobre o carácter deste grande actor de tão útil chacina, encontrava-o lá mais pela noitinha, depois dos afazeres do dia resolvidos, no “Bailinho da Paróquia”.
Com ele, a rotina era um zás que já está - depois de se ligar um fio eléctrico numa distante fixa eléctrica e mandar um balde de água para cima do bicharoco - era só tocar-lhe por detrás das orelhas com um aparato de dois bicos (pólos) - condutores da corrente eléctrica e o resultado era sempre um: hiii! Morte súbita, ou talvez o desmaio, porque logo de seguida era este puxado/a por um apropriado cabrestante numa trave que havia mesmo ali para o efeito. Logo a posição vertical se obtivesse, para um sangrar total e eficiente, era faca na goela! Uma bacia com sal marinho era rotineiro neste macabro mas útil imbróglio. Contudo, era aqui que se denotava a proficiência de quem sabe: parte do sangue ao cair sobre o sal coagulava de imediato, que o amigo Zé retirava de imediato também, explicando que todas as impurezas eram assim separadas do bom que ficava… a razão para tal, melhor do que isto não sei explicar.
Anos antes, nos setenta, venho num avião, em rota para Portugal com um conhecido mas não amigo pessoal, de nome Borges, que era homem de sucesso na indústria das carnes. Conversa puxa conversa, ao ponto de se discutir o uso e costume quanto à rotina da matança lá para Trás-os-Montes, sua província natal, e que, lá era hábito dar-se uma marretada na cabeça do bicho e este ao cair degolava-se de imediato e a morte resultava do escoamento do sangue, o resto da faina era um tanto ou quanto semelhante há do país, em si.
Sem mais, aproveito a explicação, para mim como se fosse a forma mágica na realização da próxima matança, e, porque por azar havia na altura um interregno na aldeia quanto a matadores, porque por ordem da vida iam sendo chamados ao sono eterno sem deixarem substitutos.
Mas lá por isso, com uma explicação destas no avião, era trigo limpo. Combino com os dois irmãos, que ainda viviam em casa, o novo procedimento ao que eles concordaram. Aproximamo-nos do curral de marreta na mão, o porco já mais do que desconfiado com a adrenalina a ferver, abrimos a porta para o agarrar ao sair, o que de certa forma aconteceu, mando-lhe a marretada, mas esta, devido estrebuchar do bicho, não foi certeira, salta-se das nossas mãos corre tresloucadamente pátio fora que a partir daí mais parecia uma praça de touros.
De tanto corrermos, e zangados pelo insucesso, a nossa adrenalina estava certamente também ao rubro, o que sem ela, talvez, não tivéssemos tido coragem para completar a tarefa a que nos impusemos. Jurei para nunca mais. Ainda bem que apareceu por ali o grande senhor José, que até de corpo o era, para executar, e de que maneira, a festa da minha mãe… e, claro, nossa também. “Era pois a alegria da dona de casa, e muito em especial, da garotada”.
Obrigado mãe, porque  foste uma santa!

8 comentários:

Edum@nes disse...

Colocaste ali bácoro, porque já estás a pensar no bácoro "leitão", da bairrada que irás comer no próximo sábado? Têm cuidado com colesterol?
Não te esqueças de o acompanhares com uma boa pinga? Mas, com moderação, olha o balão e tua rica saúde!
Pena tenho eu de não poder lá estar convosco, era mais?
Bom apetite, e não te esqueças que para o ano que vem tens de voltar ao convívio?
Não faços como fez o compadri do burro dos três peidos!
Um abraço
Eduardo.

Unknown disse...

Grande Eduardo o homem das mil e uma fãs…!
Pelos vistos deves de estar a ver o filma ao contrário… mas não há problema porque o acertar das agulhas é fácil:
Eu, o Artur Sousa (Leiria), estou e estarei de pés bem assentes nestas terras canadianas por mais uns meses até chegar o meu mês de férias - o santo e bendito Setembro!
Gostaria, sim senhor de compartilhar do leitão com os meus filhos da escola, mas como ainda sou não meu por completo, porque trabalho ainda, não há nada para o rapaz. Porém, nos últimos 2-3 anos quando vou aí de visita no meu mês, tenho vindo a ajuntar-me com os mais envolvidos nestas andanças ‘bloguísticas’. Quanto a este ano, nada foi ainda combinado mas, estou seguro que algo sobre um possível encontro vai ser viável e realizável.
Sem mais;
Um grande abraço.

Unknown disse...

(PS: Detesto, quando erros passam sem que me aperceba! Por isso obrigo-me a reinserir o comentário corrigido, como auto castigo. Por isso, desculpem a penosa.)
Grande Eduardo! O homem das mil e uma fãs…!
Pelos vistos deves de estar a ver o filme ao contrário (!?) Mas não há problema porque o acertar das agulhas é fácil:
Eu, Artur Sousa (Leiria), estou e estarei de pés bem assentes nestas terras canadianas, por mais uns meses até chegar o meu mês das férias - o Santo e Bendito Setembro!
Gostaria, sim senhor, de compartilhar do leitão com os meus filhos da escola, mas como ainda não sou meu por completo, porque trabalho ainda, não há nada para o rapaz por enquanto. Porém, nos últimos 2-3 anos, que tenho ido aí de visita no meu mês, tenho vindo a juntar-me com os mais envolvidos nestas andanças ‘bloguísticas’. Quanto a este ano, nada foi ainda combinado mas, estou seguro que algo sobre um possível encontro vai ser viável e realizável.
Sem mais;
Um grande abraço.

Tintinaine disse...

Escolheste a melhor altura para traçar o destino ao bácoro, pois cá o pessoal já está a tomar balanço para lhe ferrar o dente.
Tenho pena que não possas estar presente, mas lá para setembro repetimos a dose. O Sargento Vitorino já me telefonou a pedir desculpa pela sua não comparência (razões de saúde) e já ficou meio combinado que vai haver «pés debaixo da mesa» lá para os lados de Pinheiros Marrazes, para não obrigar a sua senhora a grandes deslocações.
Vai pensando nisso!

Piko disse...

Oh amigo Artur gostei mais da história do que da marretada no pobre animal... Afinal, há quem não concorde, mas tudo aponta para que sejamos descendentes de um povo rural... E a partir daqui, muita coisa fica explicada... Como sempre, gosto da forma bem delineada do texto! Uma maravilha, podes crer!... Parabéns!

António Querido disse...

Gostei da maneira pormenorizada, como descreves a antiga matança do animal, penso que este filhote que amanhã entrará no forno, não nos vai dar tanto trabalho, alguém será pago para isso, a antiga matança do porco normalmente fazía-se no inverno, para melhor conservação das carnes e levantáva-mo-nos muito cedo, para dar início ao trabalhinho, havia antes uma preparação de aquecimento que era aguardente bagaceira com açúcar, e como eu só tinha ordem para beber nesse dia, levantáva-me com todo o entusiasmo, enfim tempos d,outrora, ficamos à espera do Homem de Setembro!
Um Abraço

Unknown disse...

Aprecio e agradeço os vossos comentários mas, mais contente fiquei ainda, ao receber o aliciante comentário do Pikó! Já ia soando por aí, porque não era visto nem achado há uns tempos a esta parte, que talvez alguma maleita se tivesse apoderado dele. Oxalá, não tivesse sido o caso, provavelmente esteve em baixo como alguns dos cilindros, que somos nós, (figurativo) do motor que impulsiona este nosso barco que vai navegando nas ondas da internet. Ocasionalmente, para não mentir, eu mesmo estou tanto em baixo que quase vou chapinhando no óleo protector do motor.
Mas devagar, devagarinho a coisa vai…
Saúde e força anímica para que os nossos golos sejam atingidos.
Bem-haja todos!

Anónimo disse...

Amigo Leiria
A moda da marreta também chegou á minha Terra, talvez pela proximidade de Leiria Cidade, não demorou muito a que aqui chegasse.
Nunca vi mas há muito que ouço falar nessa moda, e parece que ainda hoje, (apesar da A.S.A.E.) ainda se vai praticando.
Tal como o PIKO, também não sou apologista desse sistema, apesar de pensar que o animal sofrerá menos que se for de faca e alguidar
Um abraço
Virgílio Miranda